A “superbateria” de nióbio e grafeno: 5 mitos e verdades revelados

Muita gente tem dúvidas sobre a “superbateria” de nióbio e grafeno que promete revolucionar o setor automobilístico. Por isso, separei cinco mitos e verdades para esclarecer o que nióbio e grafeno têm a oferecer à indústria.

Nióbio e grafeno são, sem dúvida, uma das joias da coroa do presidente Bolsonaro, que afirmou recentemente que o desenvolvimento de uma “superbateria” à base destes recursos vai revolucionar o setor automotivo mundial.

A indústria de veículos movidos a energias novas representa deveras uma oportunidade para aumentar o tamanho de mercado desses insumos. Porém, existem muitas dúvidas sobre o que nióbio e grafeno têm a oferecer ao segmento. Afinal, eles são cruciais em baterias de tração para os veículos elétricos?

Para ajudar a esclarecer a questão, separei cinco mitos e verdades que envolvem temas desde as reservas minerais até a fabricação de produtos químicos especiais, com uso desses recursos, para componentes de baterias. Confira a seguir.

1.  O Brasil tem os recursos em abundância

Verdade. De acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), o Brasil destaca-se como detentor da primeira e da terceira maiores reservas mundiais exploráveis de nióbio e grafite, respectivamente.

Pausa rápida para explicar um detalhe técnico importante: grafite é uma das matérias-primas precursoras do grafeno, um insumo especial cuja origem está associada a processos de manufatura avançada que fazem uso da nanotecnologia.

Embora sejam abundantes no País, o que torna o Brasil estratégico para o fornecimento ao mercado mundial, esses ativos não são raros na Terra. Recursos adicionais estão contidos em depósitos diversos no planeta. Segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), existem, por exemplo, mais de 500 carbonatitos conhecidos, um dos tipos de rochas ígneas constituídas por minerais que contêm nióbio. Muitos, no entanto, ainda não são explorados comercialmente por causa da localização em regiões do mundo que tornariam a mineração desafiadora e dispendiosa.

Como tudo começa com a extração dos minérios na natureza e o beneficiamento deles para gerar os produtos variados de nióbio e grafite, partimos para o segundo tema.

Mina de nióbio em Araxá (MG): a maior em operação no mundo (imagem de Revista Pesquisa FAPESP)

2.  Falta tecnologia nacional de exploração

Mito. Levantamento feito pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) indica que o Brasil é o primeiro e o terceiro maior produtor mundial de nióbio e grafite, respectivamente. A crítica de que vendemos minérios brutos é improcedente, inclusive.

As empresas exploram, nas minas, minerais que contêm nióbio ou grafite. Depois de extraídos, os recursos são transformados, por meio de processos que retiram elementos indesejados, em produtos com graus de pureza controlados para atender às demandas diversas da indústria.

Para se ter ideia, a maior parte do nióbio produzida é transformada em ferronióbio, o produto brasileiro de nióbio mais popular. Este é uma liga metálica composta de 65% de nióbio e 35% de ferro, destinada ao setor siderúrgico para a fabricação de aços microligados de alta resistência. De acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), este representou 6% das exportações de bens primários do país em 2017. Analogamente, a partir do domínio tecnológico dos processos de exploração e beneficiamento, tipos diversos de grafite têm sido obtidos e comercializados.

Com isso em mãos, podemos seguir para alguns passos mais práticos, como a fabricação de produtos químicos mais especializados para aplicações tecnológicas que envolvem armazenamento de energia e o desenvolvimento de componentes para as baterias de tração dos veículos elétricos.

Amostra de ferronióbio: o produto brasileiro de nióbio mais popular (imagem de Revista Pesquisa FAPESP)

3.  Falta assumir posição com protagonismo

Verdade. Pela perspectiva da geração de novos produtos químicos especiais para agregar mais valor aos derivados de nióbio e grafite, fomentar o desenvolvimento nacional de materiais avançados deveria ser uma questão de sobrevivência. Tão importante quanto explorar e fornecer matéria-prima mineral e química é evoluir a produção brasileira e a inovação nas cadeias produtivas minerais.

A título de curiosidade, o mercado mundial de eletrodos positivos, um dos componentes de maior custo das células das baterias de tração atuais, tem estimativa de avançar de 7 bilhões de dólares, em 2018, para mais de 58 bilhões, em 2024, segundo o relatório “Cátodos de bateria de íon lítio: participações de mercado, estratégias, e previsões globais, 2019 a 2024” da consultoria Research and Markets. Esse crescimento se deve à busca por novos produtos químicos especializados, com foco em reduzir custo de produção das baterias, como destaca o relatório.

Apesar das altas barreiras de entrada no mercado de baterias, como capital financeiro e manufaturado elevados e margens baixas, investir em projetos locais de pesquisa e desenvolvimento de novos materiais, para fabricá-las, com matéria-prima e tecnologia nacionais é uma alternativa que pode se adequar ao nosso país.

Se quisermos deixar de engatinhar no assunto, projetos corporativos voltados à fabricação de produtos de maior conteúdo tecnológico, competitivos mundialmente, devem ser priorizados. O momento de transformação da indústria da mobilidade abre possibilidade para que as lideranças brasileiras coordenem melhor a construção de estratégias de médio e longo prazos com a finalidade de gerar mais empregos, desenvolver novos modelos de negócio e fonte de renda, com sensibilidade e visão de futuro.

Amostra de grafeno fabricado no Brasil (imagem de Revista Pesquisa FAPESP)

4.  Nióbio será capaz de promover disrupção

Mito. A despeito de ser considerado um metal estratégico, o nióbio não é um elemento essencial no desenvolvimento de produtos para componentes das baterias de íon-lítio. Para esclarecer isto, vou dar um passo para trás e olhar com você uma das classes de produtos químicos especiais que, hoje, as fabricantes de materiais de baterias têm priorizado para aplicações em veículos puramente elétricos.

O desafio da tecnologia é se tornar acessível aos consumidores. Processo que, para se tornar viável, requer inovar produtos, por exemplo, para eletrodos positivos, como comentei no tópico anterior. Especificamente, esses produtos químicos são materiais que se estruturam em camadas alternantes de lítio e óxidos metálicos. E metais constituintes como cobalto, amplamente usado pelas fabricantes para que as baterias tenham vida mais longa, agregam custos. O cobalto, em particular, tem sido vinculado às práticas de mineração descuidadas e exploratórias, segundo o relatório “Isto é pelo que nós morremos: abusos de direitos humanos na República Democrática do Congo alimentam o comércio global de cobalto” da organização Amnesty International.

A indústria de materiais de baterias tem buscado alternativas e o nióbio talvez seja uma delas. O que o torna estratégico, portanto, é o uso especializado. Afinal, o metal brasileiro tem potencial para incrementar vida útil e reduzir uma fração do custo dos produtos mediante a substituição parcial do cobalto. A adição de teores mínimos de nióbio, da ordem de 2 a 4%, basta para tornar esses produtos químicos mais estáveis aos ciclos de carga e descarga, que contribui para estender a vida útil do componente e, por conseguinte, das baterias.

Embora haja vantagem técnica, o nióbio não é essencial para o desenvolvimento de baterias de vida longa. Outros metais estratégicos cujas reservas minerais também são abundantes no Brasil, como vanádio e tântalo, podem ser usados, ao invés do nióbio, com resultados similares. Contribuí recentemente com um artigo sobre o tema para uma mídia estadunidense de conteúdo técnico em baterias, inclusive. Você pode entender a fundo este assunto em “Como os metais estratégicos poderiam impulsionar a próxima geração de baterias de íon-lítio”.

Com essa explicação em mente, veja por que o grafeno ─ e não o nióbio ─ pode promover inovação disruptiva na indústria de baterias para veículos elétricos.

Detalhe de bateria de íon-lítio da empresa brasileira Electrocell (imagem de Revista Pesquisa FAPESP)

5.  Baterias de grafeno serão revolucionárias

Verdade. Ao contrário das baterias de íon-lítio atuais, as baterias de sal do tipo sódio-grafeno são uma das promessas aguardadas. O que chama a atenção para esta tecnologia é a possibilidade de eliminar o consumo de recursos tradicionais, tais como lítio, níquel, cobalto, e nióbio incluído.

A introdução do grafeno não altera a configuração básica e o princípio de funcionamento das células eletroquímicas das baterias. Cada uma delas é constituída por dois eletrodos, distanciados por uma membrana eletricamente isolante, imersos em um líquido orgânico. A operação se dá, em cada uma delas, a partir da movimentação de íons lítio, no caso das baterias de hoje, pelo líquido orgânico de um eletrodo para o outro, e vice-versa, durante a carga e a descarga.

Em baterias de sal, os produtos para eletrodos positivos poderão ser fabricados a partir de novos materiais que se estruturam em camadas alternantes de sódio e grafeno, por exemplo. Além do potencial para redução de custos, em função da diminuição do consumo de metais críticos, e massa, já que um metro quadrado de grafeno pesa menos de um miligrama, as baterias de sal serão mais seguras porque o líquido orgânico e inflamável, presente na tecnologia atual, poderá ser substituído por água salgada.

Embora a tecnologia não esteja pronta para aplicação real, há uma luz no fim do túnel: em janeiro deste ano, a Mercedes-Benz debutou um carro-conceito com protótipos de baterias de sal à base de grafeno que permitem autonomia de 700 km com uma recarga única. Apresentado na Exposição Internacional de Eletrônicos de Consumo (CES 2020) em Las Vegas, o VISION AVTR ainda pode ter suas baterias recarregadas completamente em 10 minutos, segundo o Gerente Sênior de Sistemas de Baterias da empresa.

Esses são cinco mitos e verdades sobre nióbio e grafeno que separei para ajudar a esclarecer o que eles têm a oferecer à indústria automobilística mundial, e gostaria de saber de você: lembrou-se de outros? Compartilhe nos comentários!

Sobre o GUILHERME LUÍS CORDEIRO

GUILHERME LUÍS CORDEIRO é profissional da área de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), graduado em Física, pela UNESP, com mestrado e doutorado em Ciências, na área de Materiais, pela USP, e mais de cinco anos de experiência desenvolvendo novos produtos à base de Grafeno, Nióbio e Elementos de Terras Raras. Ele ajuda start-ups e empresas tradicionais dos segmentos de autopeças e químico a “verticalizarem” materiais avançados para aplicações em baterias recarregáveis e compósitos estruturais de alto desempenho. Também é consultor em nanotecnologia e novos materiais automotivos, dedicado a desenvolver produtos que impulsionam o equity das marcas e tornam as vidas das pessoas mais felizes e confortáveis.